26 de outubro de 2012


24/10/2012 - 08h20

Linha direta com médicos

Como era previsível, o tema de saúde transformou-se no grande assunto das eleições das grandes cidades brasileiras, especialmente em São Paulo. Como gosto sempre de mostrar soluções baratas, veja esse projeto, desenvolvido por um neurologista brasileiro, que garante orientação médica personalizada totalmente gratuita. Chama-se Medicinia (http://catracalivre.folha.uol.com.br/2012/10/plataforma-virtual-cria-linha-direta-entre-internautas-e-medicos-formados/).
O projeto é desenvolvido pelo médico Daniel Branco, com pós-doutorado em Harvard, apaixonado por soluções digitais para questões de saúde. É um portal em que pessoas enviam dúvidas e médicos, espalhados pelo Brasil, respondem.
Não serve como consulta, mas como orientação. É pouco. Mas para quem não tem a quem consultar - caso da maioria dos brasileiros - não deixa de ser uma ajuda, melhor do que ir no Google, com suas múltiplas respostas.
Uma sociedade civilizada se faz com todos se sentindo parte da solução. Especialmente quem tem dinheiro e estudo.
Gilberto Dimenstein
Gilberto Dimenstein ganhou os principais prêmios destinados a jornalistas e escritores. Integra uma incubadora de projetos de Harvard (Advanced Leadership Initiative). Desenvolve o Catraca Livre, eleito o melhor blog de cidadania em língua portuguesa pela Deutsche Welle. É morador da Vila Madalena.

A Medicina e a Compaixão


‘‘À vida do médico não se propõe recompensas, mas deveres.’’ Luiz Venere Décourt 
Por Dr. João Carlos Simões*
Medicina, derivada do latim ars medicina, significa a arte da cura.A Medicina é a grande paixão do dia-a-dia e será a eterna companheira do médico vocacional. Para se fazer Medicina é preciso ter curiosidade e compaixão. A curiosidade é inata no ser humano. A compaixão precisa ser ensinada ao estudante de medicina.

Rubem Alves escreveu que “afinal de contas, a primeira condição de um médico, anterior à sua competência técnicaé a sua compaixão.” Compaixão é sentir, de alguma forma, aquilo que o outro está sentindo. Retirada a compaixão, o médico não passa de um mecânico que manipula carros sem sentir nada porque carros nada sentem. Pergunto agora a vocês, médicos amigos, professores, modelos a serem imitados, responsáveis pela formação dos novos médicos: qual é o lugar, nos currículos de medicina, onde tanta coisa complicada se ensina, para uma meditação sobre a compaixão?
É na compaixão que a ética se inicia e não nos livros de ética médica. Ah! Dirão os responsáveis pelos currículos – compaixão não é coisa científica. Não entra na descrição de casos clínicos. Não pode ser comunicada em congressos. Portanto, não tem dignidade acadêmica. Certo. Mas acontece que não somos automóveis a serem consertados por mecânicos competentes. Somos seres humanos. Amamos a vida, queremos viver.  Sofremos de dores físicas e de dores de alma: o medo, a solidão, a impotência, a morte.” Ter compaixão precisa ser ensinado nas escolas médicas todos os dias.
Que força estranha é esta que nos faz pousar as mãos sobre o corpo enfermo e, pelo menos, amenizar o sofrimento?Que força tamanha é esta que nos impregna de cuidar dos doentes mesmo se esquecendo de nós mesmos e de nossa família? Onde se esconde esta vontade de estudar todos os dias?Cuidar e gostar de gente é a razão de ser da vida do estudante e do médico. É a sua grande motivação. Ensinar aos estudantes de medicina é a outra vocação do médico professor. Ser professor de medicina é continuar se transformando e aprendendo com os seus estudantes.
 Ensinar aos estudantes de medicina e aos residentes como se ensina aos filhos é hipocrático. Ensiná-los, como disse o professor Adib Jatene, que o médico precisa ser especialista em gente, compreender como as pessoas são diferentes e o quanto a sua atenção a elas é fundamental num tratamento.
*Dr. João Carlos Simões é editor científico da Revista do Médico Residente, professor titular do curso de Medicina da FEPAR e colabora com o Academia Médica.

Compaixão, EDUCAÇÃO MÉDICA, João Carlos Simões

23 de outubro de 2012














De nada adianta ser médico se você não consegue passar uma simples mensagem para outros.
www.academiamedica.com.br


Doe mais amor ao seu coração, mais saúde..




“Mesmo que ainda não seja possível silenciar a mente, mas estando atento ao uso consciente da palavra, você já estará dando um passo realmente significativo para se alinhar com a verdade do seu coração, compreendendo que o seu coração é o coração do mundo. Cada vez mais nós precisamos nos alinhar com o silêncio.

A minha compaixão é transformada em palavras para te guiar; para te ajudar a se mover quando você está com dificuldade de entender o silêncio. Você vem aqui para receber o silêncio e o amor que flui de mim, pois é esse silêncio e esse amor que realizam o milagre que é você se lembrar de si mesmo. Eu venho aqui e sento em silêncio, com o coração aberto. Às vezes as palavras vêm, mas eu nunca sei o que vou dizer. As palavras servem para alguns, mas o silêncio e o amor servem para todos.”

Sri Prem Baba

10 de outubro de 2012


Medicina: das Sangrias à Ciência

Por Emerson Wolaniuk

A Medicina é uma ciência muito importante para a humanidade, e isso é indiscutível, todo mundo sabe. O que poucas pessoas sabem é como chegamos a ela da maneira com que a conhecemos hoje. Vindo da obscuridade da Idade Média até a luz da era da informação, a arte de cuidar das pessoas mudou muito. O New England Journal of Medicine, em comemoração aos 200 anos de sua primeira edição, traz um relato histórico muito interessante a respeito da evolução da terapêutica ao longo desse tempo. O Academia Médica vem contar a vocês o que aconteceu nesses dois séculos.

O primeiro de todos os artigos publicados no New England, em 1812, foi um relato de Warren – um dos fundadores da Universidade de Harvard – a respeito de sua terapia para angina pectoris. O quadro clínico descrito é familiar a qualquer um de nós, mas a sua terapêutica aplicada era estranhamente bizarra. Começava com sangrias, ia até a aplicação tópica de éter no tórax, laxativos e agentes cáusticos na região do esterno que queimavam a pele.

Embora muitas práticas médicas ao longo do século XIX soem macabras para nós, é importante entender que essas técnicas de certa forma funcionavam, pois o conceito de eficácia terapêutica também era diferente naquela época. A teoria de que a saúde do homem era o perfeito equilíbrio dos quatro humores (sangue, fleuma, bile amarela e bile negra) era amplamente aceita por ambos: médicos e pacientes. A expectativa a respeito da terapia girava em torno de que seus efeitos deveriam ser tão fortes de acordo também com a força das reações colaterais que provocavam e isso equilibraria, então, os humores do corpo.


Essa medicina praticada por Warren é descrita hoje como medicina heróica, a que emprega intervenções dramáticas que levariam a um estado de equilibro humoral e saúde. Quando mais nociva a doença, mais pungente e heróica era a intervenção. Um tempo depois, a escola de Boston começou a mostrar-se um tanto quanto cética em relação à eficácia dessas técnicas, e uma nova corrente de pensamento foi tomando forma ao longo da primeira metade do século XIX. Talvez o principal endosso veio do outro lado do oceano, quando Pierre Louis resolveu comparar a evolução de pacientes tratados para pneumonia quanto à realização de sangria, no Charité Hospital de Paris, e verificou que a técnica não mostrava superioridade nenhuma. Foi o chamado “método numérico” de Pierre Louis. Dessa maneira, iniciou-se um período chamado de ceticismo terapêutico, em que se duvidava das técnicas consolidadas durante os anos e elas foram perdendo credibilidade. Começou-se a acreditar mais no poder do corpo de se regenerar sem que fossem necessárias intervenções. Nesse ínterim, a medicina sofria grande concorrência de outras profissões que visavam tratar da saúde das pessoas – homeopatas, hidropatas, naturopatas, excêntricos etc. Havia a necessidade de repensar as práticas médicas para que a ciência evoluísse e retomasse sua notoriedade. A máxima que retrata essa fase foi dita pelo Dr. Oliver Wendell em 1860:



“Se toda a matéria medica, como é usada hoje, fosse jogada no fundo do mar, seria o melhor para toda a humanidade. E o pior para todos os peixes.”


Porém, o drama envolvendo essa fase da história da medicina era que, embora o ceticismo terapêutico fosse a emergência de uma nova ciência, não poderia-se simplesmente deixar as práticas antigas de lado de uma hora para a outra. Mesmo que não se acreditasse que a sangria fosse uma alternativa eficaz para o tratamento de uma pneumonia, por exemplo, um médico não poderia simplesmente assistir a um doente definhar à sua frente sem fazer nada.


Na segunda metade do século XIX – com o advento da patologia, fisiologia e bacteriologia – começou a sepensar nas doenças como entidades específicas e não mais como idiossincrasias de cada pessoa. As doenças começaram a ser vistas como vindas de uma causa e manifestada por síndromes específicas. Um pouco antes disso, em 1846, William Morton demostrou a anestesia com éter no Hospital Geral de Massachussets, uma das primeiras grandes descobertas que mudaram a prática da medicina. Porém, não completamente para o bem. Antes da descoberta de princípios assépticos e da técnica cirúrgica conhecida hoje, os resultados das cirurgias eram péssimos e muitas pessoas morriam de sepse.


No centenário do New England Journal of Medicine, em 1912, os cirurgiões elaboraram as técnicas assépticas e a medicina cirúrgica começou a tomar a forma que conhecemos hoje. No mesmo ano, a medicina clínica avançou significativamente para a época com a descoberta da terapia com Salvasan para sífilis, vinda do laboratório de Paul Ehrlich, em Berlin. Era o início da quimioterapia antibiótica. O Salvasan marcou o início da terapia focada nas particularidades da doença, considerando o Treponema pallidum como a causa comum para os quadros de sífilis e deixando para trás a terapia elaborada de acordo com “idiossincrasias” de cada paciente.


O Salvasan também foi conceitual porque demonstrou posteriormente a falha da medicina reducionista. A sífilis não era apenas uma coleção de sintomas, mas sim um problema social, um estigma. Um autor da época – não citado no artigo consultado – inclusive questionou a ‘nova onda’ de se tratar doenças e não pessoas:



“Não deveriam os estudantes de medicina também serem ensinados a promover o alívio da dor, a confortar aqueles que sofrem e dar suporte àqueles que caminham no vale das sombras?”


Nessa época, progresso farmacêutico prosperava exponencialmente, entre 1940 e 1970, juntamente a outras revoluções na medicina como a psicoanálise e a cirurgia cardíaca. Mais de 4.500 drogas entraram no mercado nos EUA nos anos 50: antibióticos, antidiabéticos, anti-hipertensivos, antipsicóticos, antidepressivos, e drogas para baixar os níveis de colesterol. A cada dólar gasto em fármacos em 1961, 70 centavos eram em drogas que não existiam a dez anos atrás. Foi quando começou-se a questionar a influência da indústria farmacêutica quanto a eficácia das drogas oferecidas. Essa é a mesma época em que a talidomida foi utilizada como sedativo e antiemético e gerou suas primeiras vítimas em todo o mundo. Foi então que o senador Estes Kefaver, em parceria com a Foods and Drugs Administration formalmente criou as fases 1, 2 e 3 dos estudos clínicos demonstrando eficácia terapêutica.



Nessa mesma época, o Dr. Thomas McKeown publicou uma análise a respeito da descoberta da estreptomicina no combate à tuberculose e argumentou que na terapêutica moderna as drogas eram necessárias, mas não seriam suficientes ainda para mudar a saúde mundial. Essa melhora só seria atingida com saúde pública de qualidade, mudanças na nutrição e comportamento das populações, uma lição que deve ainda ser lembrada enquanto estamos buscamos eliminar a epidemia de malária, tuberculose e HIV no século XXI.


Hoje, a internet entra para a medicina trazendo múltiplos estudos clínicos randomizados em tempo real e a um clique; temos técnicas metodológicas bem estabelecidas e aplicáveis em busca do constante refinamento da nossa ciência. Aparelhos de diagnóstico por imagem, medicina nuclear, medicina baseada em evidências, terapias moleculares e técnicas cirúrgicas sofisticadas fazem parte da nossa realidade hoje. Porém, para o bem e para o progresso da nossa ciência, precisamos conhecer a história de nossa evolução enquanto profissionais ao longo dos séculos e entender que ainda temos muito a mudar e atuar para melhorar a saúde das pessoas de maneira efetiva. A sangria para angina pectoris deu lugar ao stent, mas sabemos que todo esse avanço ainda não previne que pessoas morram de doença coronariana. A medicina não pode ser vista como uma ciência reducionista e, até que isso seja realidade, há muito o que ser feito.


O Academia Médica estimula médicos e estudantes a fazerem a diferença, a inovar e a promover o avanço de que todos nós precisamos. Que tipo de Medicina construiremos para o próximo século?o